Gianlluca Carneiro e a educação artística como um coletivo

por | Novembro 22, 2022

Como aprender sobre arte? Essa questão um tanto quanto subjetiva é trabalhada por um dos mais novos artistas a se juntar ao Coletivo Amarelo, o Gianlluca Carneiro. O artista e professor brasileiro está diretamente envolvido com projetos de cidadania e ética, e dentro da sala de aula, ele encontrou maneiras de introduzir aos seus alunos a política por meio da educação através da arte.

Conheça Gianlluca Carneiro e sua visão sobre a educação na arte

Em seu portfólio, Gianlluca compartilha um pouco de sua história. Nascido em Minas Gerais, no Brasil, o artista visual também é professor de história da rede municipal de Cariacica, no Espírito Santo. Além disso, Gianlluca é bacharel em direito e estudou arte e educação no CEFART em Belo Horizonte.

Desde muito cedo, mais precisamente desde os 6 anos de idade, Gianlluca se demonstrou um artista através da pintura. De lá para cá, são mais de 20 anos de carreira levando a sua arte para diferentes exposições em Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo. Sem contar as publicações em revistas e exibições de renome nacional e internacional, como a sua obra “Humor Azul, Coração Azul” que foi finalista na Doncaster Art Fair.

Gianlluca Carneiro denomina o seu universo artístico como Cabeça Vazia, uma brincadeira com o ditado popular “cabeça vazia, oficina do diabo”. Em suas próprias palavras: “O importante é que essa cabeça vazia vive cheia e ocupada em produzir obras com cores, traços e composições coloridas e caóticas sempre apoiadas em críticas às estruturas políticas e sociais e do modo de vida contemporâneo”.

O artista contemporâneo está alinhado com as discussões mais recentes presentes ao redor do mundo. Sendo uma delas, a importância de repensar o atual sistema de educação artística.

 

Documenta 15

Documenta é uma das maiores exposições de arte contemporânea do mundo e acontece a cada cinco anos na cidade de Kassel, na Alemanha. A exposição foi criada em 1955 por Arnold Bode, em uma Alemanha pós-guerra. Parte da sua motivação surgiu da necessidade de retomar a arte que foi banida pelo nazismo e reintroduzir o país às últimas tendências internacionais. Desde então, a exposição Documenta 15 virou uma instituição importantíssima no mundo da arte.

Em 2022, aconteceu a 15ª edição da exposição, curada pelo coletivo ruangrupa de Jacarta, na Indonésia. O coletivo baseou a Documenta nos valores e ideias de um termo bastante comum na Indonésia, lumbung, que significa algo como “celeiro comunitário de arroz”. A ideia de utilizar esse termo como um modelo artístico e econômico é baseada em princípios como a coletividade, a construção conjunta de recursos e a sua distribuição justa.

Nesta edição, vários pontos ressoaram e um deles dialoga diretamente com a arte e o posicionamento ativo de Gianlluca Carneiro, que é repensar as estruturas da educação artística contemporânea. Na exposição, isso se traduz a partir da ideia do coletivo e questiona o porquê não podemos aprender uns com os outros, quebrando paradigmas, como a figura de autoridade do professor?

Essa ideia de transformar a educação é expressada na Documenta 15 através da arte do *foundationClass, um coletivo formado em 2016 na Weißensee Kunsthochschule Berlin (KHB). O coletivo surgiu como uma plataforma educacional para arte e um conjunto de ferramentas criado para facilitar a vida de imigrantes que são afetados pelo racismo na Alemanha.

Para nos aprofundarmos nesse conceito de uma educação artística coletiva e conhecermos melhor o artista, o Coletivo Amarelo realizou uma entrevista com o Gianlluca Carneiro. Leia um trecho da nossa conversa, que abrimos com uma fala do artista que unifica todo esse pensamento por trás da educação artística e desse potencial não explorado.

Gianlluca: Vejo muito potencial artístico entre os meus alunos que dentro da escola não é tão explorado e eu, como professor e artista, tento trazer isso pra eles a todo momento. Trazer o que? Trazer ideias para despertar algo neles, desmistificar essa ideia de que arte é só no museu, sendo que na verdade a gente faz arte o tempo inteiro. E usar isso pra debater política

Coletivo Amarelo: Existem obstáculos dentro da escola para trazer esses novos modelos? Qual é a resistência?

Gianlluca: O mais louco de tudo isso é que eu faço parte de um projeto chamado Ensina Brasil, destinado para áreas de vulnerabilidade social, e por coincidência eu caí numa escola onde existem militares. Por um momento achei que isso iria ser um empecilho, mas consigo trazer o assunto da política de maneira mais profunda, sem discursos superficiais e também sem partidarismo. Mas fazer isso usando a arte, torna até o processo mais fácil dentro da escola, por incrível que pareça.

Coletivo Amarelo: A figura do professor é um lugar de conforto, de segurança, onde “não existem perguntas burras”, um espaço menos intimidador… Você, como professor, qual conselho daria para aqueles que querem começar a fazer arte, aprender mais sobre arte, mas não sabem bem por onde começar ou talvez se sintam acanhados?

Gianlluca: O afastamento da arte às vezes vem de linguagens muito complexas, difíceis da gente introduzir as pessoas… vou te dar um exemplo de algo que aconteceu comigo essa semana. Eu fiz um concurso de arte na escola, frisei que ia ter prêmio, mas que não era para estimular aquela competitividade agressiva e, sim, estimular a criação.

Um aluno meu da educação especial, ele tem um olho de vidro, baixa visão, e ganhou o concurso de desenho. Foi uma banca de fora, o sorriso dele era algo inacreditável. Outra aluna, com uma auto estima baixíssima, ganhou o concurso de pintura, e ela nunca conseguia enxergar o que ela fazia. Sempre dizendo que tudo que fazia era uma merd*… Isso me mostrou mais uma vez, que arte é aquilo que a gente faz da forma mais genuína possível.

O jeito de começar é de fato complicado, mas hoje temos tantas formas novas, coletivos como o Coletivo Amarelo, propostas alternativas, lugares que nos recebem de forma mais aberta e que estimulam a gente a fazer. Isso serve pra quem tá começando a fazer arte, consumir, viver disso. Por mais banal que seja, o segredo é se jogar por inteiro.

Coletivo Amarelo: Isso que você falou, sobre hoje termos acesso à tantas ferramentas e informações, às vezes assusta também. Pois talvez faça com que a pessoa fique um pouco sem saber por onde começar ou sem entender onde ela se encaixa nisso tudo… E a gente acaba esquecendo que o fazer artístico é um processo demorado, que leva tempo, uma digestão lenta mesmo. O processo do artista de ficar ali recluso, “esperando algo” acontecer, é extremamente solitário às vezes e super confuso.

Gianlluca: É um processo que demora muito mesmo. E a gente não faz para uma galeria, a gente faz porque tem que ser feito. Eu sou um pouco louco… eu tenho meu sketchbook, meus rabiscos… e as ideias vêm, as cores, as formas, e a partir delas eu vou experimentando. A maioria das vezes não chega aonde eu quero. São camadas que vão se construindo e, eu não tenho medo, não fico planejando demais, sou mais da ação.

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