Arte e Política no Brasil
É impossível negar que arte e política estão interligadas. Seja pela vontade do artista em manifestar o seu posicionamento ou pela ausência do mesmo, de uma maneira ou outra, a arte transmite uma mensagem política. Uma das vontades inerentes ao ser humano que motiva essa manifestação é a aspiração pela liberdade. No contexto histórico brasileiro isso não seria diferente. Afinal, a prática de fazer arte no Brasil é, por si só, um ato político. Pensando nisso, no artigo de hoje vamos abordar a intersecção entre arte e a política no trabalho de artistas brasileiros e o seu impacto no país.
Arte é política!
A arte é e sempre foi uma expressão política! É possível, inclusive, analisar essa ligação em diferentes momentos históricos. Seja no Renascimento, quando as pinturas eram encomendadas e executadas de acordo com o posicionamento político do comprador. Seja em um momento ditatorial quando a arte é censurada. A arte é política e a expressão artística possui uma força, seja ela intencional ou não.
Ao criar uma obra de arte, o artista pode escolher manifestar-se contra o sistema, contra a opressão e contra normas ultrapassadas da sociedade, por exemplo. Existe uma infinidade de posicionamentos que um artista pode empregar em seu trabalho. Assim como existem também os artistas que não buscam expressar um posicionamento político, no entanto, a ausência de expressão é um posicionamento por si só.
Diferente do que muitos pensam, a ligação entre arte e política não precisa ter um cunho panfletário. Ou seja, que apoie uma ideia com radicalismo e massivamente. O simples fato de determinados artistas se expressarem e demonstrarem a sua realidade em suas obras é um ato político.
Quando falamos em arte e política, também é comum que a sociedade entenda isso como uma imposição de doutrinação ao espectador. Contudo, a realidade prova que esse é um pensamento raso e sem muito fundamento. Afinal, a arte é subjetiva e interage com cada indivíduo de uma maneira diferente. São vários os estímulos e impactos que a expressão artística causa no observador e a sua interpretação depende de sua bagagem cultural, política e social.
Arte e Política no Contexto Brasileiro
No Brasil, um país rico em cultura e diversidade, a arte é uma forte ferramenta política. Para ilustrar isso, traçamos uma linha do tempo com diferentes artistas e seus impactos na sociedade brasileira.
Almeida Júnior – Caipira picando fumo
O artista viveu no século XIX, mais precisamente entre 1850 e 1899. Almeida Júnior é habitualmente relacionado a uma palavra que pode ser observada como pejorativa: “caipira”. Essa relação vem da sua representação do povo brasileiro em sua pluralidade, focando nas pessoas “comuns” e fugindo da representação dos ilustres e aristocráticos, como era de praxe.
Oswald de Andrade – Manifesto Antropofágico
A década de 1920 é um marco histórico para a arte brasileira. Há 101 anos, aconteceu a Semana de Arte Moderna iniciando o movimento modernista no país. Alguns anos depois, em 1928, Oswald de Andrade publicou o seu Manifesto Antropofágico. Inspirado pelas ideias do artista e ativista político Filippo Tommaso Marinetti, o idealizador do futurismo na arte, Andrade fundou um movimento histórico.
O artista publicou o seu manifesto na revista Antropofagia, em São Paulo, com o objetivo de “engolir” técnicas e influências de outros países. Desse modo, Oswald de Andrade incentivou a criação de uma nova estética artística brasileira.
O movimento levou esse nome por promover o “canibalismo” da cultura estrangeira. Afinal, a cultura estrangeira influenciava demasiadamente a arte brasileira. O objetivo do artista era fomentar uma nova identidade brasileira, multicultural e original, assim como o seu povo.
Tarsila do Amaral – Abaporu
Um dos quadros mais famosos da aclamada artista brasileira, o Abaporu dialoga diretamente com o trabalho do seu marido, Oswald de Andrade, no Manifesto Antropofágico.
A pintura apresenta um homem sentado com membros desproporcionais, com os pés e mãos aumentados e a cabeça minúscula quando comparada ao restante do corpo. Além disso, o sol no centro da pintura e a representação de um cacto reforçam a ideia que podemos compreender do quadro.
A obra é vista como uma crítica ao trabalho físico, exaustivo e com pouco pensamento crítico, representando a realidade de grande parte da população na época. O quadro foi pintado em 1928 e marca a fase antropofágica da artista, que durou até 1930.
A arte e a política durante a Ditadura Militar no Brasil
Durante os anos de 1964 e 1985, o Brasil passou pela Ditadura Militar, um período obscuro e repressor. Foram quase 30 anos de opressão militar e os artistas, claro, foram uma das grandes classes atingidas, perseguidas e censuradas pela ditadura.
A arte enquanto política não se calou, pelo contrário. Mesmo vivendo em uma época de censura, muitos artistas usaram o seu trabalho em prol da liberdade de expressão, que era cada vez mais silenciada.
Separamos alguns dos artistas que se destacaram na luta contra um sistema opressor e ditatorial:
Cildo Meireles – Desvio para o Vermelho
Cildo Meireles é um artista brasileiro conhecido por seu pioneirismo na criação de instalações de arte no país. Durante a ditadura, o artista demonstrou forte posicionamento político, o que podemos analisar na sua instalação “Desvio para o Vermelho” (1967 – 1984). A instalação é marcada por essas duas datas pois marca o ano em que foi idealizada (1967) e o ano de sua primeira montagem (1984).
A obra é dividida em três salas pintadas de vermelho e articuladas entre si. No primeiro ambiente, Impregnação, somos inseridos em um cômodo branco repleto por móveis e obras em tons de vermelho. Isso é contrastado na penumbra de Entorno, o segundo ambiente, onde é possível observar uma garrafa tombada, com um líquido vermelho escorrendo em um ambiente totalmente escuro. Já no último ambiente, Desvio, o som da água corrente guia o observador em um quarto completamente escuro. A escuridão é quebrada apenas por uma pia descolada, onde uma água vermelha escorre, criando sonoridade.
Hélio Oiticica – Tropicália
Tropicália é um termo elaborado pelo artista Hélio Oiticica e representado em uma instalação exposta na mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1967. A obra é um ambiente composto de Penetráveis, PN2 (1966) – Pureza É um Mito, e PN3 (1966-1967) – Imagético. Esse foi o trabalho que inspirou a criação estética do movimento tropicalista entre as décadas de 1960 e 1970.
A obra é rica em elementos típicos da cultura popular brasileira, como areia, terra, plantas tropicais, tecidos, entre outros. Todos esses elementos em conjunto, subvertiam a ordem da estética do modernismo europeu.
Anna Maria Maiolino – “What’s left”
Através de um trabalho político e provocativo, a artista ítalo-brasileira Anna Maria Maiolino explorou diferentes materiais e meios de expressão. Durante os períodos ditatoriais, as questões sempre presentes foram: “Como falar? Como se comunicar em tempos de ditadura?”.
Essas dúvidas são expressadas na obra da artista, como a fotografia “O que Sobra” (1974), que apresenta uma mulher com a língua exposta entre uma tesoura. Através de sua arte, a artista questiona!
Adriana Varejão
A artista tem uma visão e trabalhos únicos. A sua obra parte de uma indagação: “E se as paredes tivessem vísceras, músculos e sangue?”. Adriana Varejão está entre os nomes mais importantes da arte contemporânea brasileira e conta com um pavilhão dedicado ao seu trabalho em Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo, localizado em Brumadinho, Minas Gerais.
Entretanto, a sua obra não se mantém apenas na ideia das paredes que simulam entranhas humanas. Nas suas obras em exposição em Inhotim, a artista critica as feridas deixadas pela história brasileira.
Regina Parra
A artista expressa a sua arte através da pintura, da fotografia e do vídeo, com forte cunho político ligado às questões atuais sobre feminismo e sobrevivência em um universo ainda misógino e machista. Regina Parra aborda temas como a opressão, a insubordinação e a resistência feminina em suas obras.
Arte e política no cenário atual do Brasil
A política brasileira tem enfrentado rupturas, para dizer o mínimo. Foram quatro anos de um governo que era declaradamente contra a expressão artística. O Ministério da Cultura foi extinto logo no início do mandato do ex-presidente, o audiovisual foi sucateado e a arte desestimulada.
O ano de 2023 iniciou com a troca deste governo, mas a transição não tem sido tranquila. O atual presidente do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva, tomou posse no dia 01 de janeiro e, apenas uma semana depois, apoiadores do ex-presidente invadiram os prédios dos três poderes em Brasília. Os atentados terroristas realizados por um grupo articulado deixaram um cenário devastador.
O patrimônio público do país foi destruído ou danificado, incluindo obras de arte de valor inestimável. Entre as perdas, está o quadro As Mulatas, de Di Cavalcanti. Trata-se de um painel horizontal com grande destaque para quatro figuras femininas que trabalham sobrepostas à uma grande paisagem. São mulheres de peles acastanhadas, mestiças e mulatas.
Nessa pintura, o artista usa da mesma lógica de Almeida Júnior, que é dar protagonismo a figuras marginalizadas e oprimidas socialmente, mas que são o cerne do funcionamento do nosso tecido social. Estimada em R$ 8 milhões, a obra em questão ficava no Salão Nobre do Palácio do Planalto e teve sete rasgos em sua tela.
Além da aclamada obra de Di Cavalcante, diversas obras de arte foram atingidas e destruídas nos ataques terroristas de 08 de janeiro de 2023.
A destruição desse patrimônio por extremistas prova que a arte é política! Prova que a arte é, sim, necessária. Afinal, a realidade brasileira expressada com o intuito de enfrentamento gera desconforto até nos mais leigos. A arte é política e sempre será, independentemente de quantas forças contrárias surjam.